terça-feira, 5 de agosto de 2008

Texto 24 - Museologia, Globalismo e Diversidade Cultural

Ao introduzir o texto, a autora busca entender a museologia como uma relação existente entre o fenômeno Museu e sua aplicabilidade à realidade de cada sociedade. A Museologia deve ser estudada e analisada dentro de uma visão transdisciplinar, interligando o homem a diferentes visões de natureza e cultura, dentro de variados campos do conhecimento como a antropologia, a sociologia, a ecologia, a economia e a ciência política.

Há todo um mito criado em torno da história do museu. Ele teria surgido na Europa do séc. XVIII, tendo como antecedentes o gabinete de curiosidades e o templo das musas. O museu, criado dentro de padrões europeus, se organizou para repetir os padrões de seus criadores, sem refletir a realidade africana, latino-americana ou oriental. Deste modo, o museu, como símbolo da cultura racionalista/ iluminista, mostrava uma face distorcida do mundo, uma visão unilateral de cultura.

O primeiro dilema da Museologia, apresentado no texto, é entender como o museu, padronizado nos moldes europeus, institui-se de forma hegemônica em sociedades não-européias, tendo como modelo as relações políticas, econômicas e culturais de dominação. Muitas vezes, são apresentados em museus os símbolos de determinadas culturas, sem que se conheçam profundamente suas raízes, desconsiderando seus valores culturais mais caros, pertencentes à memória e à identidade daquela sociedade. Isto enfraquece os laços identitários de uma sociedade.

O segundo dilema da Museologia recai sobre a ótica de que é necessário um maior afastamento do mito, caminhando para a concepção do Museu no plano do Real. A realidade pode ser tanto interior quanto exterior, o Real não é um apenas, mas muitos. Trata-se do Real Complexo, denominado pelos filósofos, ou seja, planos de realidade articulados dentro do museu para que configurem as especificidades e momentos de cada museu. Dentro do Real há várias faces, há aquelas que se apresentam e as faces do silêncio, já que, dentro dos museus, ocorre também uma memória da ocultação e do esquecimento. Seria utópico saber como deve ser um museu, isto não é possível. Contudo, é possível escolher como o museu pode ser. Levando em conta a dimensão humana, pode-se chegar a um melhor aproveitamento, utilizando-se múltiplas expressões culturais e identitárias. O museólogo seria um mediador dos diferentes planos de realidade que atravessam o museu e não apenas aquele mediador entre passado e presente ou entre o museu e a sociedade.

O terceiro dilema da Museologia trata de como se devem reanalisar alternativas para o modelo hegemônico de museu. A primeira dessas alternativas foi apresentada como o museu exploratório. Ele foi criado pela sociedade americana e fazia a síntese entre o museu tradicional, fruto do modelo tradicional europeu, e o laboratório pedagógico. O museu exploratório era um modelo adequado às sociedades altamente industrializadas. Dentro deste universo, estariam também os museus que se baseiam em coleções vivas, musealizadas em espaços artificiais como são os jardins botânicos, zoológicos e aquários.

O Ecomuseu surgiu como uma segunda alternativa. Ele foi instituído em países escandinavos, no final do séc. XIX, a partir de das experiências dos museus ao ar livre. Os países capitalistas e conservadores receberam esta alternativa com reservas. Trata-se de um museu que contribuiu para a possibilidade de musealização integral de um determinado território, seu foco de interesse não era apenas o objeto, mas o patrimônio; privilegiando a comunidade que abrangia o museu e não apenas o visitante tradicional. O Ecomuseu é um modelo difícil de ser implantado na prática, principalmente em grandes comunidades urbanas. Nessas sociedades, que se configuram pela pluralidade, o modelo paradigmático de reforço de perfis identitários do Ecomuseu encontra dificuldades para ser entendido. Uma terceira alternativa, que se apresentou no texto, é a dos parques naturais musealizados. Trata-se de um modelo holista de museu, que amplia o conceito de comunidade e percebe o homem como um elemento do universo e não como o figura central. Há ainda outra vertente de espaços, muitas vezes rejeitados como museus, que são os centros culturais e os parques de lazer “culturalizados”, um exemplo é o Epcot Center, nos Estados Unidos.

Portanto, ao se colocar como um problema o fato de, na América Latina, haver uma absoluta hegemonia do modelo tradicional de museu, abre-se um discussão sobre a aplicabilidade dos Ecomuseus. E, deste modo, o Ecomuseu passou a ser visto como o museu do discurso, ou seja, assunto muito requisitado em congressos, seminários e artigos; mas pouco vivenciado no plano real. Contudo, é necessário certo cuidado ao se apontar o modelos hegemônico, vigente na América Latina, como apenas um modelo teórico reducionista. Não se deve cair na tentação de ter uma visão maniqueísta do assunto, uma vez que não há só um lado bom ou ruim na questão.

Ao abordar a museologia, a autora lembra que “a percepção da diversidade cultural, vincula-se essencialmente à percepção da identidade”. Quando se pensa em identidade, pensa-se também em alteridade, ou seja, uma concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos. Muitos antropólogos afirmam que a existência do "eu-individual" só é permitida mediante um contato com o outro. Do mesmo modo, a identidade nos remete à ontologia da diferenca (ontologia vem do grego ontos+logoi = "conhecimento do ser"). Heidegger elaborou a questão do ser na sua obra Ser e Tempo (em alemão: Sein und Zeit) e, segundo ele, a identidade é parte do Ser e não apenas uma afirmação por igualdade ou analogia. O lugar identitário é o Ser + o Pertencer, e a questão é explicada pelo termo ipseidade (o si-próprio), ou seja, pela percepção do Mesmo com relação a si mesmo. A partir daí, prossegue-se na relação entre o Mesmo e o Outro e, pode-se afirmar a alteridade enquanto diversidade. Mas é preciso entender que a identidade não existe como algo absoluto, ela é uma construção intelectual. Deve-se evitar a apologia ao “direito à diferença”, já que a diferença não está fora de nós, ela é o que há. Ao se aceitar isto, evita-se o fascínio pelo culturalismo, que tem origem numa sociologia vulgar. Portanto, o museu, ao conjugar espaço, tempo, memória, tradição e criação, vai projetar-se em infinitas relações humanas.

• Museus e Museologia em tempos de globalismo.

Os Museus, como já é sabido, não se constroem somente a partir do passado. Dentro do contexto global, podemos identificar a relação do Museu com o vir a ser. Nesta rede complexa, que o globalismo apresenta, diluem-se os limites territoriais, muda-se o sentido de nacional e este, como referência, perde um pouco do seu significado.

A tecnologia imprime novas redes de articulação e, neste contexto, a soberania nacional perde sua significação, o Estado vai atuar como agenciador para o ajuste das práticas políticas da economia mundial. Transformam-se as relações entre campo e centros urbanos, o primeiro industrializa-se e os movimentos migratórios para os grandes centros urbanos intensificam-se. O poderoso maquinário industrial, a biotecnologia reduz o número de trabalhadores na produção agrícola. A automação inaugura o fenômeno da desterritorialização. A divisão entre indústria e serviços tornam-se mais tênues. O crescimento desenfreado das redes de comunicação, bem como o predomínio das tecnologias de ponta, aumenta significativamente, e como conseqüência a concentração de renda em nível mundial intensifica-se, juntamente com as desigualdades sociais. Este quadro se apresenta de forma mais ostensiva nos países menos desenvolvidos.

O universo midiático, tanto o impresso quanto o eletrônico, irão ressignificar o tempo real plasmando através de imagens, um mundo ilusional do aqui e agora no universo minituariazado da tela do computador.Comunidades virtuais são criadas e o espaço ‘desmaterializa-se’. O recurso principal é a palavra e a imagem digitalizadas. Nessa realidade não existem perspectivas de controle. A sociedade global desterritorializada rompe espaços, civilizações e culturas e, consequentemente, as marcas identitárias perdem sua força. Destarte, complexifica-se a reconstrução das origens culturais e civilizatórias do indivíduo e da coletividade. “[...] a combinação entre singularidades de cada grupo ou lugar e as singularidades da sociedade global, como um todo, é que vai explicitar, hoje, a configuração identitária de cada um”.

No processo de mundialização da cultura, representada pela indústria cultural, a imagem vai se impor através dos meios informacionais, constituindo-se como “o intelectual orgânico dos grupos, classes ou centros de poder da sociedade global”. A globalização da informação implica também na recriação do local ganhando significado mundial.

Um dos aspectos nocivos, de que o texto chama atenção para o fenômeno da globalização é sua capacidade de também destruir muitas formas de cultura, justificando-se nos processos de modernização tecnológica e econômica.

É, portanto, possível afirmar que a sociedade transnacional e a sociedade de consumo equivalem-se, pois no mercado global o que vai importar é quem produz e quem consome. Com o enfraquecimento das redes de solidariedade, os regionalismos, etnicismos, provincianismos surgem como forma de resistência. Do ponto de vista político-econômico, os chamados blocos econômicos configuram o atual espaço geopolítico. A cultura adquire um caráter multinacional, com isso, o patrimônio, território e bem cultural ganham novos significados. Instituições internacionais se mobilizam na busca por medidas que garantam o equilíbrio do ecossistema global, a exemplo disso temos a questão do aquecimento global, um tema que encontramos em todas os meios de comunicação em nível mundial

A autora assevera a preocupação com o levantamento de estudos sobre etnias culturalmente diferenciadas, destacando os povos indígenas. Cabe ao Museu, enquanto espaço de reflexão e transmissão da informação, desenvolver e aprofundar as questões acerca das relações do multiculturalismo e do pluralismo das diversidades culturais. Assinala, ainda, que o papel da Museologia, perante a uma sociedade de economias e culturas globalizadas, na qual vivemos, é a busca de melhores relações entre global e local, cultura e mercado de consumo. É função do campo museológico também, identificar como se dá a questão do pertencimento, identidade e cidadania. Há necessidade de se criar mecanismos de articulação do corpo social dentro da área museológica. O desenvolvimento de formas de museus, que integrem os aspectos conjunturais surgidos no seio da sociedade contemporânea, congregando o nacional, regional, grupal e o global buscando representá-los.

Lança-se, então, uma reflexão acerca da questão da interculturalidade e o Museu. Estaria o museu colaborando para uma permanente compreensão da tolerância cultural, ou ainda este se mantém de forma cristalizadora reafirmando assim os discursos hegemônicos?

O texto tece uma crítica aos museus latino-americanos, em virtude da grande defasagem entre discurso e prática, onde o que se vê ainda hoje no campo da ação, é a reprodução do modelo tradicional dos anos 50.

O papel do museólogo e profissionais de museu, enquanto detentores dos saberes museológicos, relativizou-se na sociedade globalizada em função das redes de informação e a acessibilidade propiciada pela Internet. O museólogo da contemporaneidade é aquele que pensa o Museu, segundo Scheiner, e compete a ele fazer a ponte entre unidade e diversidade, produzindo formas dialéticas e de afinidades com os grupos sociais; promovendo o Museu como espaço de criação e produção de conhecimento tendo como esteio a democracia. Desse modo, o museu torna-se plural abrangendo todas as manifestações culturais, sendo ele mesmo uma manifestação cultural em processo contínuo de transformações, deixando de ser somente local de representação de objetos e coleções, passando a representar também fatos, fenômenos e espaços, reunindo os vários modelos de Museu, as diversidades culturais, assim como os espaços da natureza.

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