terça-feira, 5 de agosto de 2008

Caderno 03/Texto 07 - Museologia, Identidades, Desenvolvimento Sustentável: estratégias discursivas.

A paisagem cultural no mundo contemporâneo se configura pela complexidade, pela fragmentação e pela constante movimentação. Os conceitos de sociedade, cultura e nação, que antes eram vistos como conceitos fixos, serão entendidas, agora, como discurso.

A nova ordem da contemporaneidade baseia-se na imprecisão e na relativização das idéias. E é baseando-se nessa teoria que o Museu deve ser compreendido como fenômeno.

O Museu-fenômeno se constrói na relação entre o Tempo, o Espaço, a Memória e os Valores (as Culturas). Compreendê-lo significa “percebê-lo através da experiência de mundo do indivíduo – em si mesmo e na sociedade através do cruzamento de relações (...) com o Real complexo” . Logo, o Museu deixa de ser apenas representação, passando à esfera da organização de conjuntos sígnicos, constituindo o que se entende por Patrimônio.

Museu e Patrimônio são conceitos que se desdobram em muitas categorias. Devemos entendê-los no âmbito da pluralidade, ou seja, não como uma coisa, mas muitas. A relação que existe entre os dois é a relação que “se institui na pratica, a partir das relações de cada grupo social com os tempos e os espaços da memória individual e coletiva” .

Para um melhor entendimento do termo patrimônio, o conceito é explicado como o que se entende de percepções identitárias, estando intimamente ligado à Memória e se fazendo presente em todas as categorias de Museu. Durante muito tempo foi entendido vinculado ao passado, sendo sua natureza uma ferramenta para a construção para o futuro.

Cabe à Museologia estudar as relações entre o Museu e o Patrimônio, “concebendo e atuando estas relações no plano do Real” .

A autora explica metaforicamente identidade como movimento, como processo de ser, vir a ser e deixar de ser. No mundo globalizado em que vivemos, ao pensar em identidade, chega-se à seguinte questão: Quais são as fronteiras que configuram a identidade? Mesmo com essa difusão, essa gigantesca rede comunicacional, ainda existem os extremos? A resposta é sim, porque mesmo que haja essa mundialização ainda se fazem presentes os limites do corpo e da consciência, ferramenta que nos mantêm em contato com o mundo real e o virtual, que delineiam o campo mental de cada individuo, onde se dará a configuração da identidade.

Esse processo muitas vezes não nos permite perceber a grandeza que nos pertence, como indivíduo e como coletividade. Portanto há uma necessidade de se estar em constante afirmação identitária.

Como foi dito, com o advento da globalização, as trocas culturais se intensificam. Os homens, apesar das diferenças sócio-culturais, mantém-se em comunicação. A mundialização e a complexidade da contemporaneidade nos dá a sensação de não-espacialidade, o que nos mantêm em constante itinerância, voltando assim à noção de identidade.

Para entendermos como essa questão da identidade na América Latina, Scheiner recorre à Canclini. Para esta os cruzamentos sócioculturais latinos misturam o tradicional e o moderno, gerando uma grande heterogeneidade cultural.

A proposta de Canclini é pensar a cultura e a produção simbólica do universo latino-americano na interseção entre as diferentes práticas sociais e as diferentes formas de discurso que sobre elas se estabelecem – pois o popular não se define por uma essência a priori, mas pelo modo como a cultura popular é representada no museu ou na academia, ou divulgada pela mídia.

A partir disso, deve-se entender as estratégias pedagógicas do Museu e da Escola com a utilização do Patrimônio.

Mas, o desenvolvimento do moderno em relação com o tradicional não leva à extinção do que é popular e folclorico. Contudo, na contemporaneidade, essas categorias chamadas de “baixa cultura” permanecem em constante mudança, em um processo de transformação de suas matrizes, originando a multiculturalidade e as muitas identidades..

E ninguém melhor do que Paulo Freire defendeu a dignidade dos elementos culturais nacionais e populares (...), que a dignidade humana e as identidades culturais se constróem no cotidiano, a partir da valorização dos traços qe definem cada indivíduo frente a si mesmo e na sua relação com o mundo

Caderno 03/Texto 06 - Novos cenários culturais da Museologia no contexto da mundialização

As inovações tecnológicas presentes no mundo de hoje modificam as formas de circulação das expressões culturais e os conteúdos dos produtos culturais. O cenário de tais inovações é a sociedade pós-industrial, aonde vem ocorrendo a mundialização, o que interfere no modo de pensar as identidades culturais.

A reflexão proposta neste âmbito é ‘qual é o conceito de cultura’, pois essas se cruzam devido à intensa migração que ocorre. E por conta desta “mistura cultural” afirmar a própria cultura pode se tornar uma atitude racista, agressiva e xenófoba, já que a afirmação significa a exclusão do diferente.

No pensamento latino-americano vem predominando a questão nacional, pelo fato da mundialização estar ganhando espaço. Há uma polarização entre o nacional x mundial e entre particular x geral, referente ao saber humano.

Por parte de políticos, ensaístas e literatos também há uma polarização que se refere ao tradicional x moderno. “A modernidade representa o futuro e a tradição simboliza o passado” . Porém tal fragmentação pode repercutir nos aumento da disparidade entre riqueza e pobreza, na acessibilidade aos bens culturais, no consumo (que é estimulado na sociedade de hoje) e conseqüentemente na qualidade de vida.

No cenário do fenômeno da explosão urbana causada pela mundialização, fala-se em hegemonizar a cultura, porém com a explosão as cidades não param de crescer unindo as mais variadas pessoas, sendo elas ricas, pobres, excluídos, ou seja, grupos que não possuem nenhum tipo de interação (religiosa e cultural). Como fazer a hegemonização com os problemas socioculturais existentes?

“No que diz respeito à cultura e às identidades, a globalização das comunicações produz uma difusão maciça de mensagens culturais que muitas vezes resultam incompatíveis com as situações das sociedades locais” . O que leva a aceitação da dominação de uma cultura (ocidental) “superior” sobre as outras.

Na museologia, a mundialização também gera conflitos, visto que se tem um aparato tecnológico grande para utilizar nas exposições, mas, no entanto não se podem utilizar as novas linguagens devido ao público misto, que conta com setores da sociedade com acesso à educação e a grande maioria analfabeta.

A temática museológica passa a gerar em torno não mais do “fazer história” e sim de uma tentativa de prever o futuro, para justamente não expor os problemas contemporâneos desta mundialização, e sim colocá-la como uma solução.

O papel do museu seria o de testemunho da sociedade que está inserido, sendo estas heterogêneas ou homogêneas, mas também explicar a mundialização que está ocorrendo. Com isso o museu equilibraria suas funções sociais. Mas por conta do contexto da mundialização cabe a pergunta: “Qual será, nos tempos em que estamos vivendo, o espaço social do museu?” .

Caderno 03/Texto 05 - Extensão Cultural e Pedagogia do Desenvolvimento: um desafio para a contemporaneidade da Museologia latino-americana

1. Um pouco de história e tradição
As ações destinadas à preservação do patrimônio histórico e cultural pretendem valorizar a memória – através de seus fatos e atos – do passado, para que esta mantivesse sua vigência mesmo com o passar do tempo. Esta função de formação, que foi esquecida muitas vezes por um simples exibicionismo, foi voltando a tona gradativamente ganhando muito espaço a partir dos anos 60. Há uma confusão, porém, entre o que seria a ‘instrução pública’ e a ‘educação popular’ e aconteceram reduções da cultura popular em exposições de folclore ou de arqueologia. Esta cultura popular tem sim estes componentes, mas é basicamente etnográfica. Ela se mantém viva porque “se perpetuam nas práticas cotidianas com a vigência absoluta de seus valores” . Ao discutirmos cultura e educação popular na América Latina percebemos que ela é tão viva, pois explicita os espaços de conflito. Assim, se permite duas formas diferentes de ação sobre esta cultura, a ação educativa institucional que traz o modelo de superação evitando chegar ao cerne do conflito, e os outros representantes da comunidade, como os museus, por exemplo, que o coisificam.

1.2 . A história de um desacerto
A educação popular na América Latina era o que a classe dominante proporcionava à classe dominada, assim podendo garantir a continuação do sistema social. Nos anos 60, Paulo Freire traz novas visões questionando a simples reprodução de conteúdo em sala de aula, sem espaço para debate, para opiniões divergentes, impondo ao educando e não propondo sua participação.

Esta proposta educativa para um desenvolvimento cultural integral, traduziu a demanda indiscutível dos povos do cone sul e propôs uma educação formativa e uma extensão cultural dos conteúdos e dos valores vivos e das práticas sociais, supostamente em conflito com modelos de estratificação social vigentes e/ou permitidos .

1.3. A meta da contemporaneidade
Conscientes da relação íntima que existe entre a ação educativa oficial e a função educativa dos museus, já que ambas planejam e difundem conteúdos e ações para valorizar e desenvolver certas práticas sociais; trataremos da extensão museológica como em paralelo ao sistema educativo, para que ao enfatizar os valores integrais possa contribuir coma função educativa institucional. Esta extensão tem como ponto de partida a definição da função do museólogo neste processo, já que os objetivos e metas precisam estar comprometidas a todos os envolvidos (a própria instituição, as estratégias museográficas e o grupo social “que lhe empresta conteúdo e valoriza sua ação” ).

2. A Extensão como teoria e prática das identidades
A extensão parte do diálogo entre os extensionistas e a sociedade, já que “dialogar supõe uma realidade partilhada” . Sendo que é necessário que se perceba a realidade/objeto como por onde são passadas as mensagens dentro de uma complexa rede. O sucesso ou não de uma extensão cultural (ou museológica) dependerá de sua adequação ao processo sociocultural que pertence (e quem deve fazer esta adequação é o museólogo, de preferência, a partir da política museológica da instituição). Isto é, depende do êxito do diálogo das partes, sem que fique limitado a um “modelo estrutural de percepção monovalorativa” .

As culturas populares são espaços articulados e articulantes da cultura total e integral de uma nação. Manifestam o conflito porque estão vivas, circulando pelas redes visíveis ou pelas redes subterrâneas, que lhes permitem construir as identidades locais e regionais.

3. A contemporaneidade da Museologia latino-americana: extensão cultural ou pedagogia do desenvolvimento
A extensão museológica é um agente de mudança, e assim vai respondendo conforme interesses (culturais, econômicos, ideológicos, valorativos). A percepção tradicional e reducionista da realidade (a partir de um modelo de política educativa e cultural) sustentou projetos que obtinham pequenas transformações em espaços reduzidos e a simples exclusão daquele que não decodificasse as mensagens do líder. E este tipo de ação não deve prevalecer neste processo de globalização, quando o global trouxe novamente a tona a natureza do conflito. No global o individual perde força, e o popular ganha somente a marginalidade (fora quando exotismo do folclórico). A extensão como proposta de desenvolvimento é aquela que se aproxima dos processos e dos envovidos, recolocando seguidamente os conceitos de ‘realidade’ e ‘cultural’ em suas dinâmicas (complexas), que em final levam “a definição de lugar próprio” .

“Um projeto de extensão museológica das culturas populares num modelo de sociedade moderna, ou das culturas regionais no quadro da globalização das sociedades pós-modernas” deveria ter objetivos como: a reelaboração constante da realidade, reconstruir filosofias e políticas culturais que pensem o desenvolvimento social regional e integral, usar de técnicas e métodos na extensão museológica que estejam embasadas em ações que informem formando e busquem a autoformação, para que os agentes se tornem ativos e comprometidos com todo seu processo social regional. Em resumo, conceitualizar a meta que surge na contemporaneidade usando nos museus de teorias e práxis mais próximas aos problemas e a complexidade social latino-americana. Respeitar o futuro, mantendo sua incerteza de forma a permitir que os conflitos gerados pelas “culturas populares” no interior da cultura integral de um país possam ser otimizados.

Caderno 03/Texto 04 (c) - Museus, sociedade e meio ambiente

O autor discute o conceito de “meio ambiente”, “ecologia” e “proteção natural do meio ambiente”. Em sua opinião quando queremos associar museologia e meio ambiente, pensamos tanto na conservação do patrimônio natural ou cultural ameaçado quanto na informação e na pedagogia, com o objetivo sempre de resguardar os elementos ameaçados. No entanto, se aceitamos sua definição mais ampla, a natureza do museu surge nos problemas essenciais tanto da vida humana, quanto da vida em geral, e não apenas da matéria, mas também de sua transformação no espaço e no tempo. Para Desvallées o museu é o homem com todas as coisas que o cercam e assim o museu é também o meio ambiente. Foi a partir desta visão que surgiu em 1972, na conferência do ICOFOM, o conceito de ecomuseu, o museu específico para o meio ambiente. Além das questões puramente ambientais, a ecomuseologia se encarrega, segundo o autor, das conexões do ecomuseu com o meio ambiente e dos indivíduos com seu território. Para ele num tempo globalizado o museu deve progredir se quiser manter o sentido de suas origens, entre outras razões porque, politicamente, é sua única chance de sobrevivência. Para Desvallées a museologia é a ciência em melhores condições para entender o mundo e propiciar o descobrimento da vida global tanto física, biológica e social quanto cultural.

Caderno 03/Texto 04 (a) – Museus, sociedade e meio ambiente

Mesmo reconhecendo a existência de outras prioridades, como problemas políticos, econômicos e sociais, o autor recomenda que sejam reconsiderados os temas que relacionam museu e meio ambiente. Tema abordado na ECO-92, a questão ambiental assume hoje grande importância, já que incide diretamente sobre a vida das pessoas ou porque todos se preocupem com o futuro do planeta e da biosfera.

Segundo Michael, embora a princípio a relação entre museu e entorno não desperte atenção, deve ser abordada como importante tema para a reflexão de museólogos.

Enumera dois pontos que não devem ser desprezados pelos museólogos caso realmente desejem, através do museu, influenciar o comportamento da sociedade face aos problemas ligados ao entorno: o impacto provocado pelo próprio museu no entorno e o papel que podem desempenhar visando à melhor compreensão da relação público-meio ambiente e dos problemas do entorno, que agora se apresentam.

Ressalta ainda um terceiro aspecto nessa relação, a influência do entorno sobre os museus e suas coleções, citando como o mais freqüente a poluição do ar no centro das grandes cidades, alertando aos museólogos quanto à atenção e à tomada de medidas necessárias o mais rápido possível, inclusive procurando sensibilizar a opinião pública. Também são por ele citados o aquecimento global, recomendando inclusive a transferência de museus situados em áreas litorâneas para locais mais elevados; atos de guerra, acarretando vandalismo, e interrupções nos serviços indispensáveis, embora reconhecendo serem poucas as medidas preventivas a ser tomadas.

Alerta ainda quanto à urbanização desordenada, capaz de provocar uma rápida degradação do meio ambiente, e a conseqüente decadência de um endereço, antes de prestígio; talvez a atuação em campanhas comunitárias por parte de museus situados em áreas com esse perfil possa minimizar o impacto desses fatores, uma vez que sua atuação pode ajudar a comunidade a compreender como sua atitude pode contribuir tanto para a proteção como para a degradação do meio ambiente.

Considera ainda o autor que, embora se creia que os problemas ambientais sejam traduzidos pela poluição do ar, dos rios e oceanos, pela extinção de espécies, habitats e florestas, uma política em relação ao entorno deveria desenvolver-se em escala mundial, estudando-se desde a degradação da camada de ozônio ao efeito estufa, levando-se em conta que 80% da população mundial vive em países em vias de desenvolvimento; descreve problemas relativos ao entorno, surgidos nas últimas décadas, relativos ao contraste entre o primeiro e o segundo mundos, como a poluição atmosférica, o buraco na camada de ozônio, o desmatamento, a exploração excessiva dos recursos naturais, dentre outros.

Reconhece que, apesar de causarem graves danos ao entorno, certas atividades, como a indústria, a produção e distribuição de energia, o turismo e sua infraestrutura, etc., tornam-se indispensáveis para o desenvolvimento econômico, evitando por vezes a miséria, o maior problema ambiental, e lembra que os museus – enquanto instituição a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento– deverão implementar ações no sentido de contribuir para a solução das questões relativas ao meio ambiente.

Cita Nancy Hushion, que presidiu o Comitê da Conferência em Quebec, que colocou a seguinte questão: O museu apresenta dificuldades para abordar tais questões relativas ao meio ambiente porque, na maioria das vezes, o aporte financeiro que garante sua sobrevivência é oriundo de empresas poluidoras. Como o museu deve ter um discurso coerente, deve optar por apenas uma das questões, fato que algumas vezes se mostra impossível, levando o museu a não adotar nenhuma medida concreta.

Michael alerta que, há muitas décadas, a questão é bastante espinhosa para os museólogos e simplesmente não se resolve porque são cada vez maiores as dificuldades e, muitas vezes, há necessidade de adotar medidas de caráter político.

Ao museu não basta apenas ser coerente em seu discurso, deverá, também, ser persuasivo na forma como expõe seu ponto de vista, baseando-se em informações fidedignas que tenham autoridade junto a sua direção, visitantes, comunidade e outros, adotando medidas que melhor atendam suas necessidades na questão ambiental.

Os museus de ciências naturais, por exemplo, que apresentam em suas coleções elementos da fauna e da flora, deverão aproveitar para apresentar também exemplares que estão em extinção, conscientizando os freqüentadores sobre a necessidade de sua preservação. O diálogo poderá ser estabelecido através de exposições enfocando o meio ambiente.

Outra questão sobre qual o museu não pode prescindir, como qualquer empresa, diz respeito à responsabilidade sobre o consumo de recursos e à produção de resíduos que interferem no meio ambiente. O museólogo deverá estar consciente de sua responsabilidade ao trabalhar o ambiente em que está inserido, tanto social quanto natural.

Especial atenção deverá ser dada a questão de museus cujas coleções são constituídas por espécies que vivem em estado selvagem - jardins botânicos, zoológicos, etc. – considerando que suas atividades não deverão contribuir para a extinção de algumas dessas espécimes.

Então, temos a seguinte pergunta: Qual o papel do museu para que a relação entre público, “entorno” e os problemas ambientais que a humanidade enfrenta sejam melhor compreendidos?

O autor apresenta algumas possibilidades, dentre outras, que podem ser postas em prática pelos museus: os de ciências podem criar projetos para que a população entenda como a ciência pode se colocar a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, mormente acerca dos problemas ambientais; os de arte podem através de exposições apresentar as questões sociais oriundas das cidades-dormitório existentes junto aos grandes centros; os de história social podem mostrar a evolução da sociedade e os meios desenvolvidos para atenuar a degradação do meio ambiente, etc.

Afinal, Michael ressalta a necessidade de que haja uma troca de experiências entre os museus dos diversos países sobre as medidas implementadas, de forma que se possa avançar na temática ora exposta – museus e meio ambiente.

Texto 31 - Conclusões e recomendações do II ICOFOM-LAM

Este texto é o documento produzido no II Encontro Regional do ICOFOM LAM, que aconteceu na cidade de Quito, Equador, em julho de 1993; que teve por tema “Museologia, museus, espaço e poder na América Latina e no Caribe”.

Neste encontro se discutiu as transformações econômicas que a América Latina e o Caribe estavam passando, suas repercussões sociais, políticas e culturais. Percebe-se que era um momento oportuno para que a Museologia consolidasse relações com o poder político e econômico, contribuindo para o fortalecimento das identidades. Entendendo que o Estado deva assumir as responsabilidades que lhe cabe como “guardião do patrimônio e protetor de sua conservação e integridade”, como já se tinha afirmado na Declaração de Caracas.

Para pensarmos o papel dos museus na América Latina e Caribe é necessário considerar a dimensão política da Museologia, as implicações ideológicas da função social dos museus. Entendendo a idéia de Museu enquanto processo de comunicação; recurso alternativo de educação integral; fonte de recuperação e socialização de valores comunitários; espaço de interação e fator de desenvolvimento social.

Esta dimensão política demanda esforços dos profissionais para todos os processos e “relações bidirecionais de poder” comuns ao museu.

Entre o conflito de poderes, o museu, através da troca que estabelece com a comunidade, se legitima; proporcionando “alternativas de futuro favoráveis, comprometidas com a busca do Homem Integral, consciente de seu espaço, de seu tempo e de sua cultura” .

1. Sociedade e Cultura
Considerando que o processo de colonização da América Latina e Caribe impôs valores externos a estas populações, e que a partir desta relação entre homem-meio que se estabelece o desenvolvimento cultural, sendo que este influencia qualidade de vida. E que por meio do conhecimento da própria história é possível compreender o presente e projetar-se ao futuro.

Recomenda-se aos museus que desenvolvam ações que fortaleçam e valorizem o entendimento do muticulturalismo presente nos países latino-americanos. E às sociedades que estimulem o reconhecimento das culturas dos grupos minoritários e contribuam para sua preservação.

2. Museologia
Considerando que “a museologia [que] é uma disciplina científica que compromete socialmente a todos aqueles que nela trabalham”, e o museu como instituição contribuem para a construção de um sistema que dá suporte a trajetória das sociedades.

Recomenda-se aos profissionais da Museologia respaldarem a aplicação dos conceitos próprios desta disciplina científica através de ações concretas, colocando em prática as recomendações do II Encontro Regional do ICOFOM LAM.

3. Museus
Considerando que “os museus são espaços e meios de comunicação de valores” e que hoje têm destacada sua responsabilidade com um papel social de refletir uma sociedade multicultural, que gera um processo de autoconhecimento e que participa de um desenvolvimento integral da sociedade.

Recomenda-se aos museus que adotem medidas de difusão das atividades realizadas – inclusive meios de comunicação de massa –, estimulando um pensamento crítico sobre a prática museológica e permitindo e estimulando a participação da comunidade.

4. Espaço
Em relação a este tópico, foi considerado que o Museu não trabalha apenas com o passado, mas também com o presente e o futuro, nos aspectos físico, social e cultural. Foi constatado também que na América Latina identifica-se uma identidade por suas histórias e tradições comuns e que os sistemas educativos não correspondem à realidade desta identidade.

Assim, recomendou-se aos organismos relacionados à prática museológica o desenvolvimento desta prática através de textos teóricos e aplicação e difusão do Código de Ética e Deontologia Profissional do ICOM.

Ao ICOM, recomendou-se a estimulação e unificação da Museologia para que seja refletida de maneira homogênea na América Latina.

Às instituições educativas, valorizar o potencial educativo dos museus da região e a estes se recomendou atuar como complemento do sistema educativo.

5. Poder
Com toda a problemática dos sistemas de poder da América Latina, discutiu-se que o processo de desenvolvimento integral dos museus vê-se seriamente limitado pela falta de continuidade nas diretrizes governamentais, sendo que esses têm que trabalhar “dentro de uma rede de interesses políticos e hegemônicos” e que a economia é fundamental para a conservação e difusão do patrimônio cultural e natural.

Assim, foi recomendado aos órgãos relacionados ao patrimônio e às instâncias governamentais garantir a permanência de políticas culturais e a consecução destas em diferentes governos e aos profissionais de museus “evitar a utilização arbitrária do patrimônio cultural e/ou natural, com fins ideológicos, de poder e de hegemonia” .

Foram, então, listadas 3 ações práticas para completar este quadro teórico:
Moção nº 1: Elaboração de um plano que faça cumprir nos museus da região as considerações e recomendações organizadas neste evento.
Moção nº 2: Criação de um organismo coordenador de museus no Equador, vinculado à Subsecretaria de Cultura do Ministério de Educação.
Moção n° 3: Solicitação ao Ministério de Educação e Cultura do Equador que ajude, na medida do possível, por meios econômicos, a situação dos museus existentes no país.

“Aprova-se ainda, um voto de apoio para os seguintes projetos (...):
1. Solicitação apresentada à UNESCO pela Venezuela para obter a Declaração de Coro e La Vela como Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade;
2. Gestões iniciadas pela Municipalidade de Cuenca, Equador, para solicitar que o centro histórico da cidade seja declarado Patrimônio Cultural da Humanidade;
3. Revitalização do edifício denominado A Pérola de Cuenca na cidade do mesmo nome, onde em breve funcionará o Museu dos Metais, como centro cultural e sede de exposições temporárias e permanentes.” .

Texto 30 - Declaração de Caracas

Reunião de museólogos latino-americanos em 1992, para rediscutir as funções do museu no atual momento.

1.Museu Hoje-novos rumos:

A comunicação do museu explica as suas atividades específicas (conservação, coleção e exibição do patrimônio) para a comunidade, estabelecendo a interação entre produtos culturais e comunidade.

Considerando:

. Que os objetos não falam por si mesmo, mas através das linguagens das exposições, eles apresentam valores e significados.
. Que as linguagens do museu devem atender a todos.
. Que o processo de comunicação é interativo, e não unidirecional, e deve enriquecer emissor e receptor.
. Que as linguagens expositivas tradicionais utilizam códigos que a maioria do público não entende.
. Que museus da América Latina não desenvolvem seu potencial por não “serem estimulados”.
. Que o museu é parte importante na educação do ser humano, tanto pessoal, como no âmbito social.
. Que o museu integrado na comunidade/integral não pode existir se o discurso utilizado não é democrático, participativo e aberto.

Recomendam:

. Que o museu leve em conta sua função museológica e saiba exercê-la. Observando também as características das comunidades que se instalarem, utilizando diferentes linguagens.
. Que o desenvolvimento da linguagem museológica permita o diálogo entre objeto e indivíduo e maior captação das mensagens culturais.
. Que o museu faça seu discurso pensando no presente e não só no passado. A questão não é o porquê de o objeto estar no museu e sim o contexto dele na sociedade e cultura atual.
. Que se busque novas formas de diálogo, levando em conta os diferentes tipos de público que vão ao museu.
. Que se conheça mais a comunidade em que o museu está inserido e a envolva nos processos museológicos.
. Que o museu seja alternativa aos meios de comunicação de massa e “espaço de reflexão e crítica da realidade contemporânea” (p.146).
. Que o museu contribua para o desenvolvimento da comunidade e dos homens.
. Que haja uma avaliação constante na comunicação que os discursos e a exposição estão fazendo, para se necessário, utilizar outras formas de linguagens.
. Que a partir de uma linguagem participativa, aberta e dinâmica tenha uma ação social e integral desenvolvendo o homem e sua comunidade.


2. Museu e patrimônio:

Apoiando nos objetos para se comunicar, o museu é uma instituição que difunde, estuda, documenta e preserva o patrimônio. Esses, são expressões espirituais e materiais de um lugar.

Considerando:

. Que existe um marco jurídico que normatiza a proteção do patrimônio.
. Que há a exclusão de certas expressões culturais, não as considerando patrimônio, por não possuírem “importância histórica” e não serem “excepcionais” por natureza.
. Que o patrimônio se perde e se deteriora à medida que os museus possuem problemas de conservação.
. Que muitos museus não possuem o controle de suas coleções e não inventariam seu patrimônio.
. Que a privatização de empresas estatais da América Latina é uma ameaça a integração e segurança patrimonial.
. Que a preocupação pela conservação dos bens culturais vem aumentando por parte da sociedade civil.

Recomendam:

. Que se atualize a legislação dirigida para proteger e conservar o patrimônio, para que este não se perca.
. Que coleções sejam formadas a partir da sua contextualização.
. Que haja uma maior relação entre museu e comunidade reformulando as políticas de comunicação, conservação, formação de coleções, educação e invenção.
. Que se dê maior importância a conservação do patrimônio, utilizando os recursos físicos, humanos e materiais ao máximo.
. Que se controle os objetos no museu a partir de inventários.
. Que se aproxime colecionadores particulares à instituições para juntos conhecerem e documentarem o patrimônio existente.
. Que se incentive a sociedade civil a conservar seu patrimônio.
. Que o Estado não se desligue do seu papel de cuidar do patrimônio mesmo com as novas responsabilidades dirigidas à empresas privadas e sociedade.
. Que o museu e a comunidade trabalhem juntos para proteger e valorizar o patrimônio.
. Que as pesquisas feitas pelas comunidades com o objetivo de reconhecerem seus valores sejam incentivadas pelos museus locais.

3. Museu e Liderança

O museu deve atuar como protagonista no “resgate e valorização social do patrimônio como expressão da comunidade e da cultura, aqui entendida como conhecimento integral do homem” (p.148).

Considerando:

. Que o museu deve ter conhecimento de seu entorno (social e meio ambiente) e do papel importante de atuação da comunidade em suas atividades.
Recomendam:

. Que os museus tenham consciência da realidade socioeconômica de seu entorno.
. Que os museus assumam a responsabilidade de gestor social
. Que os museus assumam seu papel de líderes nas áreas temáticas e contribuam para o desenvolvimento de uma consciência crítica.

4. Museu e Gestão

“O desenvolvimento de potencial do Museu encontra-se em relação direta com a sua capacidade de gerar e administrar seus recursos (...)” (p. 148)

Considerando:

.A falta de suporte governamental, mas tendo a noção da importância das associações com o Estado e as empresas.

Recomendam:

. Que se defina a missão que compete aos museus nas sociedades.
. Que as ações elaboradas pelo museu estejam de acordo com as necessidades da instituição e da sociedade.
. Que o museu recorra a organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, para captar recursos a fim de desenvolver atividades.
. Que se elabore projetos atrativos à empresas interessadas no investimento cultural.
. Que se mantenha um nível de comunicação com setores de poder da sociedade a fim de adquirir apoio público.
. Desenvolver estratégias para reconhecimento de público e opinião.
. Que se levem em conta a Ética profissional.

5. Museus e Recursos Humanos

É de suma importância a profissionalização do pessoal que trabalha no museu.

Considerando:

. Que a formação de museólogos cientes de seu papel é de extrema importância.

Recomendam:

. Que se priorizem e sistematizem programas de aperfeiçoamento de pessoal.
. Que se estabeleçam parâmetros de reconhecimento social, colocação e remuneração digna dos profissionais do museu.
. Que se desenvolvam programas de formação.
. Que se valorize o trabalho do museólogo.
. Que se promova maior contato com o ICTOP e, conseqüentemente, com o ICOM.

Novos Rumos

O Museu na América Latina é movido pelo seu meio social, pela comunidade a que pertence e pelo público com o qual se comunica. Logo deve-se:

1. Potencializar sua importância como espaço de relação entre indivíduo e patrimônio.
2. Auxiliar na relação entre museu e classes políticas a fim de promover a compreensão e o compromisso.
3. Desenvolver uma linguagem museológica abrangente.
4. Refletir as várias culturas.
5. Reconceituar patrimônio musealizável com referencial no meio ambienta físico.
6. Dar a devida importância à prática da inventariação.
7. Valorizar o profissional de museus.
8. Formar profissionais de museus adequados.
9. Estabelecer mecanismos de gerenciamento e capacitação de recursos.

Conclusões

O encontro serviu para a reflexão sobre a relação do museu com seu contexto social, político, econômico e ambiental, aumentando a visão de museu como protagonista de seu tempo.

“Passados 20 anos da Mesa Redonda de Santiago do Chile, e ante a proximidade do novo milênio, o museu se apresenta, na América Latina, não só como a instituição idônea para a valorização do patrimônio, mas como instrumento útil para lograr um desenvolvimento humana e com maior bem estar coletivo.” (p. 151)